quinta-feira, 25 de julho de 2013

Uno Mille: Herói da Insistência!


Era a década de 1980, uma das mais marcantes na história do mundo. Entre produtos mirabolantes como o videogame, que tomou o lugar do telejogo, a chegada do videocassete, Billy Idol, Nina Hagen, B-52, Camisa de Vênus, Capital Inicial, walkman no braço, patins nos pés, relógio digital no punho, muros caindo pelo mundo, a civilização tentando ressurgir, a gíria dizendo que “extrapolar” era dar vexame, “fera” era alguém muito bom em alguma coisa e “numa nice” era quando tudo estava bem, o Brasil tinha pilotos de verdade na Fórmula 1, que era uma categoria de verdade, o planeta evoluía e a indústria automobilística brasileira permanecia estacionada no tempo – atrasada uns 10 anos atrás do restante do mundo –, já que as pessoas pareciam até estar contentes com o que tinham para escolher quando a Fiat, mais uma vez, surpreendeu o Brasil ao lançar por aqui, em 1984, apenas um ano após seu lançamento na Europa, o modelo Uno. Exatamente como ocorrera quando a montadora italiana desembarcou no país com seu modelo 147 (estranhíssimo ao conceito que brasileiro fazia de um automóvel, com aquela coisa estranha de motor transversal, estepe no cofre do motor e dimensões pocket), o Uno com seu design e soluções singulares chocou.
Era novo, era moderno, era diferente e era muito esquisita aquela coisa de estar faltando a traseira do carro. Não, o Uno não era bonito. Existe uma grande diferença entre bonito e diferente. O Uno era inconfundivelmente diferente. Seu projeto teve início no final dos anos 1970, e o resultado, produto do estúdio Italdesign Giugiaro, chegou ao mercado europeu em 1983, para substituir o antiquíssimo Fiat 127 (que ganhou um porta-malas e foi rebatizado como Lada Laika na Rússia, sendo uma entre outras carroças pleistocênicas aqui comercializadas na década de 1990). No ano seguinte, o Uno ganhou nossas ruas, com a missão de suceder o modelo 147 (derivado do 127, criado em 1971 e lançado aqui em 1976), porém com pequenas mudanças em relação ao modelo europeu, como novo capô e a posição do estepe, que ficava no porta-malas do Uno europeu. O modelo era comercializado nas versões S, CS e SX, essa última com apelos esportivos, e foi largamente rejeitado pelos consumidores que, como bons brasileiros, criaram dezenas de apelidos jocosos com relação ao desenho do carro, sendo “Bota Ortopédica” um dos mais sutis e publicáveis. Aparentemente alheia à resposta do consumidor, a Fiat desenvolveu a “Família Uno”, com o sedan Prêmio, a station wagon Elba e a pick-up Fiorino, com versão furgão, sendo os dois últimos modelos os únicos que realmente emplacaram no mercado.
Mas a persistência italiana deu resultados. Em 1990, através de uma ideia mais velha do que andar pra frente na Europa, e totalmente inédita no Brasil, o Governo lançou uma série de medidas e incentivos fiscais que revolucionou o mercado nacional, fomentando a busca por veículos econômicos e acessíveis aos menos favorecidos financeiramente, e aí, sim, o Uno decolou, uma vez que a Fiat lançou aqui a versão 1.0 do carro, que já era aqui produzida, mas só para exportação. Com a versão Mille, um S depenado, com motor mais fraco e inicialmente apenas com três portas, o Uno deu a volta por cima e virou sucesso de mercado, tanto que o termo Mille acabou se transformando no nome do modelo já há vários anos.
Nessa época, com uma estratégia de marketing inteligente, raramente vista por aqui, a Fiat “abraçou” a ideia de Luiz Antônio Greco, mais do que renomado e vitorioso chefe de equipes de corridas, e juntos criaram a Fórmula Uno, categoria com baixos custos, ampla divulgação e grids absurdamente lotados, com corridas empolgantes, o que ajudou a projetar a imagem de que o carro, afinal, era resistente e veloz.

 Saindo de produção em 1995 na Itália, e mesmo vendendo bastante no Brasil, em 1996 a linha Uno entrou na mira da substituição, pois já apresentava o peso da idade em seu desenho e na falta de possibilidades de melhoras tecnológicas, a montadora italiana lançou o Palio, que seria o carro global da empresa, e aposentou as versões mais luxuosas e a esportiva 1.6R do Uno (que também teve a versão 1.4 Turbo), mas o novo modelo não teve força suficiente para retirar o “irmão mais velho” de linha... até hoje. Resistindo somente em suas versões 1.0, que a cada ano ganha um novo apelido (SX, EX, Young, Fire, Way...), e com mudanças na grade dianteira todos os anos, entre 2002 e 2008 e continua igual até hoje.


 Com um custo que varia entre R$ 21.360,00 a R$ 24.747,00, dependendo da versão, o Mille Fire Economy ou Way Economy ainda é um dos veículos mais vendidos do país, por oferecer um bom custo-benefício, o que é a razão de viver de frotistas e locadoras. E é a tristeza de quem tem um desses semi-novo, independente das condições do carro, porque é quase impossível revende-lo a um preço coerente, já que o 0/km custa tão pouco. Existe a previsão de que o Mille saia, finalmente, de produção em 2014, e o motivo é a lei que obriga a presença do airbag duplo e dos freios ABS nos veículos produzidos no Brasil, e o modelo será substituído por um novo compacto a ser projetado pela Fiat, isso se a montadora não conseguir bolar um jeito de incluir os itens citados no Mille sem aumentar demais o seu valor. Mas pelo menos sabe-se que o Novo Uno, com seu design extravagante e toda modernidade que lhe é possível não terá nenhuma versão para substituir o Mille, esse legitimo Herói da Insistência!


Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com

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