Era a década de 1980, uma das mais
marcantes na história do mundo. Entre produtos
mirabolantes como o videogame, que tomou o lugar do telejogo, a chegada do
videocassete, Billy Idol, Nina Hagen, B-52, Camisa de Vênus, Capital Inicial,
walkman no braço, patins nos pés, relógio digital no punho, muros caindo pelo
mundo, a civilização tentando ressurgir, a gíria dizendo que “extrapolar” era
dar vexame, “fera” era alguém muito bom em alguma coisa e “numa nice” era
quando tudo estava bem, o Brasil tinha pilotos de verdade na Fórmula 1, que era
uma categoria de verdade, o planeta evoluía e a indústria automobilística
brasileira permanecia estacionada no tempo – atrasada uns 10 anos atrás do
restante do mundo –, já que as pessoas pareciam até estar contentes com o que
tinham para escolher quando a Fiat, mais uma vez, surpreendeu o Brasil ao
lançar por aqui, em 1984, apenas um ano após seu lançamento na Europa, o modelo
Uno. Exatamente como ocorrera quando a montadora italiana desembarcou no país
com seu modelo 147 (estranhíssimo ao conceito que brasileiro fazia de um
automóvel, com aquela coisa estranha de motor transversal, estepe no cofre do
motor e dimensões pocket), o Uno com seu design e soluções singulares chocou.
Era novo, era
moderno, era diferente e era muito esquisita aquela coisa de estar faltando a
traseira do carro. Não, o Uno não era bonito. Existe uma grande diferença entre
bonito e diferente. O Uno era inconfundivelmente diferente. Seu projeto teve início no final dos anos 1970, e o resultado, produto do estúdio Italdesign Giugiaro, chegou ao mercado europeu em 1983, para
substituir o antiquíssimo
Fiat 127 (que ganhou um porta-malas e foi
rebatizado como Lada Laika na Rússia, sendo uma entre outras carroças
pleistocênicas aqui comercializadas na década de 1990). No ano seguinte, o Uno ganhou
nossas ruas, com a missão de suceder o modelo 147 (derivado do 127, criado em 1971 e
lançado aqui em 1976), porém com pequenas mudanças em relação ao
modelo europeu, como novo capô e a posição do estepe, que ficava no porta-malas
do Uno europeu. O modelo era comercializado nas versões S, CS e SX, essa última
com apelos esportivos, e foi largamente rejeitado pelos consumidores que, como bons
brasileiros, criaram dezenas de apelidos jocosos com relação ao desenho do
carro, sendo “Bota Ortopédica” um dos mais sutis e publicáveis. Aparentemente
alheia à resposta do consumidor, a Fiat desenvolveu a “Família Uno”, com o
sedan Prêmio, a station wagon Elba e a pick-up Fiorino, com versão furgão,
sendo os dois últimos modelos os únicos que realmente emplacaram no mercado.
Mas a persistência italiana deu
resultados. Em 1990, através de uma ideia mais velha do que andar pra frente na
Europa, e totalmente inédita no Brasil, o Governo lançou uma série de medidas e
incentivos fiscais que revolucionou o mercado nacional, fomentando a busca por
veículos econômicos e acessíveis aos menos favorecidos financeiramente, e aí,
sim, o Uno decolou, uma vez que a Fiat lançou aqui a versão 1.0 do carro, que já
era aqui produzida, mas só para exportação. Com a versão Mille, um S depenado, com motor mais fraco e inicialmente apenas
com três portas, o Uno deu a volta por cima e virou sucesso de mercado, tanto
que o termo Mille acabou se transformando no nome do modelo já há vários anos.
Nessa época, com uma estratégia de
marketing inteligente, raramente vista por aqui, a Fiat “abraçou” a ideia de Luiz
Antônio Greco, mais do que renomado e vitorioso chefe de equipes de corridas, e
juntos criaram a Fórmula Uno, categoria com baixos custos, ampla divulgação e
grids absurdamente lotados, com corridas empolgantes, o que ajudou a projetar a
imagem de que o carro, afinal, era resistente e veloz.
Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com
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