Quando se ouve o nome BMW, a
primeira imagem que vem a mente da maioria das pessoas são os carrões luxuosos
e sonhos de consumo em quase todo o mundo. A segunda imagem costuma ser uma
enorme e não menos desejada motocicleta fabricada por este gigante alemão. Mas
não era para ser assim. Quando em 7 de março de 1916 Karl Rapp e Gustav Otto
fundaram, em Munique, a Bayerische Motoren Werke, queriam fabricar motores para
aviões. Com a derrota alemã na I Guerra Mundial e todas as proibições que o
Tratado de Versailles impôs ao país, a “quebradeira” foi geral e a BMW, para
sobreviver, passou a produzir motocicletas e automóveis. Porém, se uma guerra
foi a responsável pela mudança de planos da fábrica, a que veio em seguida a
trouxe de volta em seu cenário inicialmente planejado. Na década de 1930, a BMW
conseguiu uma licença para produzir os Pratt & Whitney R-1690 Hornet
radiais norte-americanos (assim como a Fiat fez com seu A.59), rapidamente
melhorados e re-batizados como BMW 132, cujo destino era substituir os motores
utilizados na Europa em aviões de transporte e cargueiros e principalmente nos
Junkers JU52 alemães até então. Em 1935, esse motor chegava aos 1.529 Cv, em
sua versão ainda mais aperfeiçoada, chamada BMW 139. Como todo mudo sabe, a
engenharia alemã é uma das mais perfeitas do mundo e, como todo mundo também
sabe, teve um austríaco maluco, com um bigodinho ridículo, que soube e muito
tirar proveito dessa habilidade germânica, principalmente no período entre as
duas grandes guerras, as escondidas, enquanto pavimentava seu caminho ao que
pretendia ser o poder absoluto. Senão, teria sido impossível criar a temida e,
possivelmente ainda hoje, mais poderosa força aérea, a Luftwaffe, que contava
com a genialidade de Hugo Junkers, Wilhelm Emil “Willy” Messerschmit e Kurt
Waldemar Tank na criação de seus aviões. Foi este ultimo, por sinal, quem
transformou os motores BMW 138, 139 e seu sucessor, o 810, através de suas
criações para a Focke-Wulf, em sucessos absolutos, para desespero dos Aliados.
O
BMW 139, evolução do 138, deveria ser destinado ao mesmo emprego dos outros
motores radiais alemães, ou seja, aviões de passageiros e cargas, mas foi
desenvolvido visando equipar, na realidade, os novos bombardeiros e transportes
de tropas em construção pela Junkers, Heinkel, Messerschmit e Fock-Wulf.
Motores radiais eram raros em projetos europeus para aviões de alto desempenho,
devido ao seu diâmetro, que causavam problemas aerodinâmicos, além da
refrigeração ficar muito prejudicada quando os motores eram carenados, como
mostravam os aviões de caça norte-americanos e japoneses. Mas não na cabeça de
Kurt Tank, que tinha em mãos o desenvolvimento do caça Focke-Wulf FW190,
sugerindo a utilização do BMW 139 em seu projeto, criando um design
aerodinâmico para reduzir a resistência do ar e resolvendo o problema de
arrefecimento dos cilindros, que obrigavam manter uma grande abertura na parte
frontal, usando um ventilador acionado pelo próprio motor, soprando o ar nos cilindros
e através de dutos em forma de S para o radiador de óleo. Porém, como o sistema provou ser
quase impossível de funcionar corretamente com o BMW 139, já que os primeiros
protótipos do FW190 demonstraram terríveis problemas de refrigeração, e a
concepção do próprio motor já era antiga, a BMW propôs em 1938 um motor radial
inteiramente novo, projetado especificamente para aviões de caça, e poder
competir com os motores em
linha. A insistência na configuração radial devia-se ao fato
de que esses motores aguentavam melhor os danos sofridos em combates, além da
maior facilidade de manutenção, primordial para reparos em pistas de pouso
improvisadas. Dessa forma, surgiu então o BMW 801!
Gerando
entre 1.540 Cv a 1.970 Cv, dependendo da versão, o BMW 810 acabou por ser o
motor mais produzido pela Alemanha durante o período da 2 Guerra Mundial, com
mais de 28.000 unidades produzidas.
A
BMW solucionou o problema da refrigeração equipando o 801 instalando uma
ventoinha de ventilação em liga de magnésio, com dez lâminas em sua concepção
inicial, logo passando a doze lâminas, que giravam 1,72 vezes a velocidade do
virabrequim e 3,17 vezes a velocidade da hélice. Simples, porém genial porque
ninguém tinha pensado antes, o sistema funcionou perfeitamente, embora à custa
da perda de cerca dos 70 Cv, necessários para girar o ventilador, quando em vôo
a baixa velocidade. Kurt Tank desenhou
a carenagem perfeita para a utilização do BMW 801, idêntica ao que se vê hoje
nos motores a jato, com a engenhosa
disposição
de arrefecimento de óleo montada na seção dianteira e arredondada da
carenagem. Integrar o sistema de
refrigeração do óleo dentro do capô do motor tornou possível unificar a
instalação do grupo motopropulsor, com o mínimo de reservatórios e conexões
exteriores.
Estava
pronto o BMW 801, um motor radial com 14 cilindros, 41,8 litros ,
refrigerado a ar, taxa de compressão de 6.5:1, com 1.560 Cv a 2.700 Rpm, para
decolagem ao nível do mar, que equipou algumas das maiores legendas da história
da aviação, como o Focke-Wulf FW 190, caça monomotor com ampla
utilização, capaz de carregar mais carga do que o Messerschmitt
BF109,
sendo empregado como caça diurno, caça aos bombardeiros, ataque a aviões em
solo, as forças terrestres e, em menor grau, como caça noturno, sendo de longe
muito superior aos Spitfire MKV utilizados pela Royal Air Force. Na Frente
Oriental, os pilotos da Voyenno-Vozdushnye sily Rossii, a Força Aérea
Russa, temiam apenas os BF 109, o que logo descobriram ser um erro,
principalmente nos voos a baixa altitude. Sua deficiência, que eram os voos a 20.000 pés (6.000 metros ), quando
perdia potência, e para essas missões eram
utilizados os BF109.
Ainda bem para o mundo que os
Aliados venceram os Nazistas e a guerra acabou antes que a Messerscmitt
concluísse seu projeto mais mortífero. Em janeiro de 1941, o Oberkommando der
Luftwaffe (OKL), Alto Comando da Luftwaffe, exigiu um avião com a maior autonomia
de voo do mundo, para ser usados em missões de bombardeio e reconhecimento de longo
alcance, principalmente na guerra naval sobre o Oceano Atlântico, com autonomia
de 20.000
quilômetros . A necessidade do OKL, na verdade, era ter
uma aeronave capaz de atingir o que os loucos nazistas denominaram como futuro
do Império Colonial do Reich alemão, a ser instalado na África Central, e Hermann Göring prometeu a Hitler que essa aeronave seria capaz de
alcançar as bases francesas no Caribe, ficando em condições então de bombardear
diretamente os Estados Unidos. Foram testados os projetos Focke-Wulf FW 200 Condor,
Heinkel HE 177 Greif, Blohm & Voss BV 222 e o Messerschmitt ME 264, sendo este ultimo, rebatizado de
ME 264 Amerika Bomber, que levou a melhor. Ironicamente, Willy Messerschmitt
havia iniciado, por conta própria, o Projekt 1061 em 1937, que era exatamente o
ME 264, mas que ficou “congelado” por conta da prioridade no desenvolvimento
dos BF109 e BF110. Para garantir a autonomia exigida em seu avião quadrimotor
com 20,9 metros
de comprimento, 43,0
metros de comprimento, carregado com 5 toneladas de
bombas no compartimento interno, além de bombas leves penduradas nas asas, e
armado com metralhadoras MG 131 de 13,1mm e MG 151 de 15mm nas torres, Willy
desenvolveu ideias aparentemente absurdas, na época, mas que funcionaram, e
depois foram copiadas e empregadas até hoje, como as bombas em suportes nas
asas, um ME 264 vazio rebocar outro totalmente carregado, em altitude elevada,
utilização de foguetes (mesmos das bombas V1) para decolagens e, a que deu mais
certo: o reabastecimento em
voo. Como não tinham protótipos para testar, usaram os
Focke-Wulf FW58 e Junkers JU90, tiveram êxito total e foi ali que se criou o
conceito de reabastecer sem pousar. O
sonho de Hitler de ver uma formação de ME 264 Amerika Bomber devastando a
América do Norte foi interrompido pelo final da guerra na Europa. Mas teria
dado certo se a Messerschmitt não houvesse perdido 4 anos de seu
desenvolvimento. Lembrem-se que, nessa época, as coisas andavam depressa, e
esse tempo era mais do que suficiente para que o ME 264 Amerika Bomber, com
seus quatro motores BMW 801, chegasse no ponto de realizar essa missão!
Renato Pereira
– blogtruecar@gmail.com
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