O automobilismo sempre foi o laboratório da indústria
automotiva. Desde os primórdios, quando os primeiros motores substituíram os
cavalos na tarefa de movimentar as carroças, as disputas entraram em cena.
Campeonatos foram organizados, criaram-se regras, categorias, e o mundo
civilizado assistiu a evolução do automóvel através das corridas. As duas
Grandes Guerras do século 20 atrapalharam as corridas, mas enriqueceram as
engenharias, uma vez que todos os esforços foram
concentrados no desenvolvimento bélico, e o resultado prático foi um salto
tecnológico para a maioria dos fabricantes. Não se trata de apologia à guerra,
mas pura constatação. Na Europa e Estados Unidos, principalmente, as corridas
com maior apelo e destaque sempre foram as de longa duração, onde a resistência
do conjunto, aliada a eficiência e estratégia das equipes, e habilidade dos
pilotos dão a tônica da competição. A
FIA – Fédération Internationale de l'Automobile – fundada em 20 de junho de
1904, é a entidade mundial que controla a maioria dos eventos automobilísticos
no planeta. De olho neste filão, criou, em 1982, o Grupo C, específico para
Protótipos, a fim de poder alinhá-los junto ao Grupo A – Turismo e Grupo B –
Gran Turismo nas provas de Endurance. Estes carros do Grupo C foram
usados nas 24 Horas de Le Mans, no World Endurance Championship entre 1982 a
1985, no European Endurance Championship em 1983, no World Sports-Prototype
Championship entre 1986 a 1990, no World Sportscar Championship entre 1991 a
1992 e o grupo se encerrou em 1993. Em meados dos anos 70, foi introduzida a
classe GTP, para Protótipos fechados (com teto). Ford, Porsche, Lancia, Jaguar,
Nissan, Aston Martin, Mazda, Toyota, Peugeot e Mercedes-Benz entraram nas
competições, seja como equipes oficiais ou apenas fornecendo seus motores.
Alguns campeonatos tiveram seus regulamentos modificados para permitirem o uso
dos carros do Grupo C junto com outros tipos de carros, como o DRM alemão, o
JSPC japonês e o BRDC inglês. Em 1989, a popularidade do Grupo C era tão grande
quanto a da Fórmula 1; os carros freavam há quase 350 km/h na reta Mulsanne, em
Le Mans, o que significava que atingiam mais de 400 km/h durante a aceleração.
A Fia tentou alterar a categoria, fazendo com que as equipes do Grupo C construíssem
seus carros usando outras regras, e o novo regulamento fez com que os carros
ficassem mais caros e a categoria seguiu rapidamente para o fim, quando as
principais equipes voltaram seus interesses para a Formula 1, que sempre foi
cara pra caramba, mas dá mais retorno de mídia e dinheiro no bolso, objetivo
único do mercenário inglês Bernie Ecclestone, que sempre estraga o que é bom
enquanto fica mais rico e senil.
O Carro:
Antes de a categoria
afundar, um dos principais fabricantes especializados no Grupo C era o
engenheiro suíço Peter Sauber. Vindo das categorias de Protótipos com motores
menores, se associou a Heini Mader, preparador de motores suíço,
e criaram o Sauber C6 Ford-Cosworth em 1982, um carro
bastante bom mas que, com a excessiva vibração do motor V8 anglo-americano,
tornou-se um pesadelo de confiabilidade. Então, a
equipe suíça passou para os motores BMW, no modelo C7, mas
não conseguiu acompanhar a
Porsche e a
Lancia,
sendo o melhor resultado do C7 um nono lugar nas 24
Horas de Le Mans em 1983.
Possivelmente visando garantir o apoio da fábrica, Peter
Sauber consultou
a Mercedes-Benz para a utilização do seu
novo
túnel de vento, afim de desenvolver melhor seu mais recente carro. Se
era essa a idéia, deu certo! Os alemães ficaram impressionados e um acordo de
fornecimento exclusivo dos motores da montadora
de Stuttgart foi assinado. De quebra, foi também
o retorno da Mercedes-Benz às corridas desde a sua
retirada, após o trágico acidente
de 1955 em Le Mans. Peter
Sauber estava particularmente interessado no novo motor V8 5,0
Litros, denominado M117. Heini
Mader foi novamente
escalado para transformar este motor
“de rua” em uma verdadeira usina de força,
com a adição de dois turbo-compressores KKK. O
resultado foi um propulsor com 800 Cv para qualificações e 650 Cv
para corridas, dentro do regulamento de consumo de combustível, acoplado a uma
caixa de câmbio Hewland de 5 marchas. Os novos carros, da
equipe agora Sauber-Mercedes, modelo C8, utilizaram o mesmo
monocoque de
alumínio do C7. O motor Mercedes foi montado em um
subchassi de aço, atrás do
cockpit. O assunto principal
dos
testes no túnel de vento, o efeito-solo, foi realmente muito eficiente,
embora não muito estável. Na prova de Le Mans em 1985, a única
Sauber
Mercedes C8 inscrita cravou a maior velocidade, porém o
carro decolou nos treinos e ficou danificado
demais
para a corrida. A Sauber-Mercedes voltou no ano
seguinte com dois novos chassis C8, com novos
ajustes aerodinâmicos deixando os carros bem mais estáveis, mas ambos
abandonaram, com problemas de motor e transmissão.
Naturalmente
batizado como C9, o carro de 1987 foi novamente um desenvolvimento de seu antecessor, onde
a suspensão traseira e a carroceria eram totalmente
novas, enquanto o motor era um
desenvolvimento a mais de
Heini Mader. A Sauber criou uma imagem
melhor em Le Mans em 1987,
qualificando seus carros em sétimo e oitavo
lugares para a largada, mas na corrida Johnny Dumfries abandonou
com
problemas de câmbio após 37 voltas, e o segundo carro com problemas de motor
por volta de meia noite.
Ao
contrário do que se poderia esperar, diante dos resultados até então obtidos, a
Mercedes-Benz elevou bastante
sua
participação em 1988, oferecendo total apoio de
fábrica. O resultado foi imediato, com o
Sauber-Mercedes C9 vencendo a prova 800 km de Jerez, Espanha,
com uma volta de vantagem sobre o segundo
colocado. Porém, Le Mans foi
uma
decepção ainda maior do que nos
anos anteriores, uma vez que as duas C9 foram
retiradas da
prova antes mesmo do seu início, por, digamos, excesso de veneno... a
combinação
conseguida de maior velocidade e maior downforce aumentou demais
as
cargas sobre os pneus, fazendo com que os pneus traseiros de
um dos carros estourassem a uma velocidade muito alta durante
a qualificação. Em
um ato de coragem, a Sauber-Mercedes retirou seus carros da competição, por
considerá-los perigosos.
E então...
... a recompensa veio em 1989; contabilizando insucessos e
procurando reverter este quadro, a Mercedes-Benz desenvolveu um motor
completamente novo, V8 com bloco de liga leve, 5,0
Litros, Turbo, batizado de M119, com cabeçotes duplos e quatro
comandos de válvulas, ou seja, introduziram o conceito
de quatro válvulas por cilindro neste ano. Este motor
atingiu 720 Cv de potência, sendo
montado no já comprovadamente eficiente chassi C9. A
participação da montadora na equipe Sauber estava visivelmente maior, como atestava
o visual dos carros, agora pintados de prata, uma alusão clara aos Flechas de Prata de
tanto sucesso da Casa de Stuttgart. Se
deu resultado? Nesta quinta tentativa da
Sauber-Mercedes, a equipe inscreveu três carros. Todas as quatro difíceis edições anteriores
foram rapidamente esquecidas, uma vez que dois de seus carros
cruzaram a linha de chegada na primeira e segunda colocações. O C9 vencedor foi do
trio Jochen Mass, Manuel Reuter e Stanley Dickens, e o
segundo carro estava com Mauro Baldi, Kenny Acheson e Gianfranco Brancatelli.
Eles conseguiram, afinal desbancar os até então incomparáveis Porsche 962C e
Jaguar XJR-9 LM, O terceiro carro terminou em quinto lugar, com o trio composto
por Jean-Louis Schlesser, Jean-Pierre Jabouille e Allan Cudini. Para completar,
a Sauber-Mercedes ganhou o Campeonato Mundial de sua categoria, com sete
vitórias em oito corridas!
Evidentemente animado pelo retumbante sucesso, Peter Sauber desenvolveu um novo carro para 1990. O monocoque de alumínio foi substituído por
um de fibra de carbono, mais moderno, leve e rígido. O nome C10, naturalmente
substituto do C9, foi imediatamente ignorado, porque era difícil sua
pronuncia em alemão – nesse idioma, a letra C
tem o som do fonema K, e só é usada nos dígrafos CH e CK; o
número “dez” em alemão é “Zehn”... com a pronuncia gutural destronca-língua
alemã, realmente ficaria estranho C10 – ”Ktzan”, e o novo carro foi batizado de C11
– “Kelf”. Na verdade, o carro de novo
mesmo só teve a estrutura, uma vez que todo o conjunto mecânico – motor,
transmissão, freios e suspensões – vieram do C9. Surpreendentemente, a
equipe resolveu
não voltar a Le Mans neste ano, se
concentrando na defesa do título
do Campeonato do Mundo da categoria, medida que se mostrou acertada, ao
sagrar-se Bi-Campeã com visível facilidade e, detalhe interessante, com a última corrida da temporada sendo vencida por uma
dupla formada por Jochen Mass e um jovem desconhecido
piloto alemão, que atende pelo nome de Michael Schumacher!
A temporada de 1991 marcou a despedida da equipe
Sauber-Mercedes das categorias de Endurance, que se concentrou em desenvolver o
motor 12C291, de 3,5 Litros, já dentro das novas regras inspiradas pela Fórmula
1; sua participação no então já em plena falência Grupo C limitou-se a uma
participação nas 24 Horas de Le Mans, mas seus três carros não completaram a
prova e o resultado decretou sua transferência – inclusive de Schumacher, em
outra equipe mas com dinheiro da Mercedes-Benz – para a categoria máxima dos
monopostos.
Renato. Parabéns pela iniciativa. Sucesso.
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