quarta-feira, 24 de julho de 2013

Derrubando Mitos: Blindagem Automotiva – Capitulo 3


Existe uma diferença monstruosa entre criar, do zero ao cem por cento, um produto para um fim e pegar algo que já existe e adaptá-lo ao que deveria ter sido concebido do zero. A história mostra que essa máxima se aplica a tudo; o termo adaptar sempre soa mal, porque já deixa na cara que “a coisa pode até dar certo, mas a tendência é que de bastante errado”.  Tentativa e erro, mesmo hoje, na era da tecnologia e de estarmos, em 99,9% dos casos, apenas melhorando ou viabilizando o que já foi projetado lá no século 18, ainda é um modus operandi bastante empregado, e isso, diga-se de passagem, acontece em todos os setores da indústria, medicina, ciências etc.
Logicamente, assim como os veículos evoluíram – pouco, em vista do que poderiam e deveriam, sendo constantemente freada sua evolução por saber que, ao empregar determinadas tecnologias ou materiais, deixaria-se muitos países sem ter o que fazer com alguns produtos que garantem sua subsistência – a blindagem evoluiu também, como já visto anteriormente. Mas ainda é uma adaptação. Exceto no setor militar, nada é projetado e desenvolvido para ser construído blindado, pelo contrário, a busca incessante da indústria automotiva é reduzir peso e custo, e isso leva, evidentemente, ao emprego de materiais com características diametralmente opostas a alta resistência e grande durabilidade.
As boas empresa de blindagem fazem, efetivamente, um bom serviço, procuram os melhores materiais, calculando-se custo e benefício utilizam equipamentos de qualidade e primam pelo acabamento do trabalho. O investimento em ferramental, pessoal e royalties não é pequeno, o custo fixo de uma oficina dessas idem, porém, todo o trabalho feito nada mais é do que adaptar um projeto desenvolvido para X a suportar Y. Toda a elaboração de um veículo é basicamente pautada por seu fabricante no segmento em que ira se situar, quantidade de passageiros a transportar, bagagem possível, design e em chegar o mais próximo do equilíbrio ideal entre peso e potência. Motor, transmissão, suspensões, freios, direção – e todos os componentes intermediários que unem tudo isso – são calculados em função de todos esses dados. Antigamente era comum super-dimensionarem essas peças e componentes; atualmente é o contrário o mais corriqueiro, principalmente em modelos voltados para produção e consumo em grande escala.
Alguns fatores devem ser profundamente analisados quando você for escolher o seu blindado Nivel III-A, já que usamos este nível de blindagem para exemplificar toda a matéria. Comece pela montadora e modelo do veículo. Existem montadoras consagradas, cujos modelos são de alta liquides; existem montadoras que vivem no meio termo, e existem, claro, as montadoras cujos produtos são imediatamente “queimados” no mercado. Tudo isso, principalmente no Brasil, independe da efetiva qualidade (ou falta de...) que cada marca oferece em seus modelos, tanto fazendo se os carros são nacionais ou importados. Nosso país tem uma complexa incultura automotiva, é recheado de tabus e, talvez lá pelo século 28, os consumidores tenham aprendido a escolher suas opções pelo que elas são e não pelo que ouviu dizer. Some a esse fator o que há de mais simples, ou seja, a utilidade do modelo. Quantas pessoas deverão, normalmente, ser transportadas é um dado muito importante. Escolhido o modelo, comece a fazer contas. Normalmente, os modelos mais vendidos no mercado são os maiores alvos de assaltantes, e deve ser por isso que você está pensando que uma versão blindada desse modelo será a salvação da sua lavoura. Não é bem assim.
Para exemplificar, vamos utilizar o sedan médio mais vendido no primeiro trimestre por aqui, o Toyota Corolla, oferecido no mercado em duas versões de motorização, 1,8 e 2,0 litros e cinco versões de acabamento, sendo o Corolla Altis o Top de Linha. É um sedan médio, para cinco passageiros, mede 4,54m de comprimento, 1,76m de largura e 1,48m de altura e a capacidade de seu porta-malas é de 470 litros de volume. Seu peso total é de 1.290 kg, com todos os fluidos, sem passageiros, motorizado com uma unidade de quatro cilindros 2,0 litros e153 Cv de potência. Fazendo as contas, saberemos que sua relação peso-potência (quantos Kg cada Cv de potência desloca) é: 1.290 Kg divididos por 153 Cv = 1 Cv de potência para cada 8,5 Kg de peso. Um ser humano adulto pesa, em média, 80 kg. Nenhum sedan médio do planeta foi feito para transportar 5 adultos; o comum, em situações normais, é sua lotação ser de 4 adultos. O peso dos ocupantes, então, será de: 80 Kg x 4 = 320 Kg. Para simplificar o cálculo de carga no porta-malas, vou usar como fator o peso de 60 Kg, o mesmo que um saco de cimento, e carga total sobre os eixos do veículo será de: 320 Kg + 60 Kg = 380 Kg, o que nos levaria então ao peso total do veículo com carga: 1.290 Kg + 380 Kg = 1.670 Kg, e a relação peso-potência passaria então para: 1 Cv de potência para cada 11 Kg de peso. Logicamente, muito raramente um veículo trafega com lotação máxima e carga o tempo todo, tampouco fica estacionado sobre seus eixos com esse peso extra. Os fabricantes de componentes e as montadoras sabem disso, e estabelecem limites de tempo para o desgaste e troca desses componentes. Molas, amortecedores, embreagens, embuchamentos de suspensões, discos e pastilhas de freios e pneus tem sua vida útil calculados em virtude dessas médias de desgaste.
Utilizemos o mesmo Toyota Corolla Altis, com seus 1.290 Kg e adicionemos o peso médio da blindagem Nível III-A ao veículo, que é de160 Kg. Teremos, então, constantemente sobre os eixos, o peso real de 1.450 Kg, e a relação peso-potência bruta do Corolla Altis será de 1.450 / 153 Cv = 9,5 Kg para cada 1 Cv de potência. Parece pouco? Então, adicione o peso dos 4 ocupantes, 320 Kg, a esse peso, e teremos 1.770 Kg, com a relação peso-potência indo para 11,6 Kg por 1 Cv de potência.  Com os 60 Kg de carga, chegamos a 1.830 Kg e a necessidade de cada 1 Cv carregar 12 Kg. Se você acha que está tudo bem, então vou te contar que um Novo Gol 1.0 litros, 3 portas, pesa 919 Kg, seu motor tem 76 Cv de potência e sua relação peso-potência é de... 1 Cv de potência para cada 12 Kg. Você terá, então, um veículo com valor sugerido de R$ 85.480,00, onde investiu a média de R$ 50.000,00 de blindagem e toda uma burocracia de documentos, que acabou te custando um total aproximado de R$ 135.470,00 para andar vazio ou ter o mesmo desempenho de um carro popular com motor 1.0 com valor médio de R$ 30.000,00. Parou de achar que está tudo bem? Não? Então elevemos a potência e vamos utilizar um Volkswagen Jetta Highline TSi 2.0, com 200 Cv de potência, que pesa 1.365 Kg brutos e sua relação peso-potência é de 6,82 Kg de peso para cada 1 Cv de potência. Blindando em Nível III-A, pesará em média 1.545 Kg, e a relação peso-potência irá para 7,72 Kg de peso por 1 Cv de potência, chegando a 9,8 Kg para cada 1 Cv de potência com 4 ocupantes e 60 Kg de bagagem, a um custo médio de R$ 140,000,00, oferecendo então o mesmo desempenho de um Fiat Novo Novo Pálio 1.6 com 117 Cv, relação peso-potência de 9,3 Kg para cada 1 Cv de potência e cujo valor de mercado é de R$ 40.000,00 em média. Lembrando que todos os componentes e estrutura do carro sofrerão desgaste muito mais rápido, e o custo de manutenção também aumenta vertiginosamente, além da manutenção específica da blindagem, principalmente os vidros, que sofrem delaminação e todos os efeitos mecânicos que afetam os vidros convencionais também afetam um vidro balístico.

Então, agora sim, sabendo de tudo isso, mesmo assim você está pronto para sair as ruas e gargalhar ao se ver na mira de uma arma que desconhece o calibre, a munição e o conhecimento do agressor sobre blindagem? Se acha que sim, é melhor continuar lendo esta matéria até o fim...


Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com

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