Quando o primeiro automóvel movido
por motor de combustão interna saiu às ruas, o instinto de competição do ser
humano foi aguçado aos extremos. Desde a chamada Época de Ouro dos automóveis,
quando um engenheiro se enfezava com o patrão, juntava uns trocados e criava um
carro para derrota-lo, até os dias de hoje, mudando-se apenas a escala dos
trocados e da tecnologia disponível, toda hora aparece alguém criando um
super-mega-master-ultra carro, com motor isso, câmbio aquilo, carroceria aquilo
outro, design de desenho animado japonês, empregando materiais de discos
voadores em tudo, enfim... a busca pela maior velocidade possível sobre quatro
rodas não termina.
Aficionados por carros existem as
toneladas em todo o planeta, a engenharia, após o salto tecnológico
desencadeado pela evolução dos polímeros e materiais diversos, com as mais
inusitadas fusões e aplicações, pode dar asas a imaginação, e gente com
bastante dinheiro encontrou onde investir, o que costuma resultar em uma
excelente combinação. Os mais afortunados (muito afortunados, diga-se...) que
antigamente procuravam nas revistas, hoje reviram sites especializados em busca
de seu novo objeto de desejo, atitude idêntica a dos “duros” de plantão, cuja
missão seguinte é calcular quantos prêmios de loteria, acumulados, terão de
ganhar sozinhos para poder comprar o mais novo míssil automotivo.
Tão rápida quanto os carros, a
pesquisa levará ao Bugatti Veyron Super Sport, que com seu motor W16, 16,4 litros e 1.200 Cv
atinge 431 km/h ,
seguido por um Shelby Super Cars Tuatara, cujo motor V8, 7,0 litros tem 1.350 Cv
e leva o carro a 430 km/h ,
ou o Koenigsegg Agera R, que extrai 1.115 Cv de um motor V8, 5,0 litros e chega aos 420 km/h , o Porsche 911
GT2 Turbo 9FF com motor boxer 6 cilindros 4,0 litros , 1.200 Cv e 414 km/h de velocidade
máxima, a Ferrari Enzo FXX Evoluzione, motor V12 com 6,3 litros , 873 Cv e
”apenas” 390 km/h ,
enfim, a lista é grande. Se você prestou atenção, notou que cada modelo é de um
país, com configurações de motores distintas, cada um a seu jeito procurando
mais e mais velocidade, porém todos limitados pelos mesmos motivos: não
conseguem aproveitar mais do que 60% do que seus motores produzem, andam sobre
pneus e são conduzidos por seres humanos.
... então, o cidadão tem dinheiro
suficiente para comprar um Bugatti Veyron Super Sport, pagar o seguro, encher o
tanque com gasolina e ir pra estrada. Bacana! Sabe quando esse proprietário
atingirá a velocidade máxima possível? Uma ou duas vezes, no máximo, se morar
na Alemanha, o tempo estiver excelente e a alegria durará uns cinco minutos, no
máximo. O restante do tempo, esse belíssimo carro será visto andando na mesma
velocidade dos populares 1,0
litros , no mesmo trânsito, e servirá tão-somente como
alvo de fotografias ou dos olhos das piriguetes de plantão (sim, existem
piriguetes em todo o planeta...) e dos paparazzo, doidos atrás de um flash
indiscreto das celebridades que pagam mais de 2 milhões de dólares em um carro.
No entanto, o problema principal não
está nos carros desse segmento, que “não conseguem nem chegar a 500 km/h ”, a despeito de
toda a tecnologia atual, tampouco na falta de estradas que aceitem esse tipo de
desaforo. O problema, que não é um problema, é a natureza humana. Exceto os
exércitos de super-homens que as super-potências criaram, misturando DNAs e
componentes Ciborg como vemos nos filmes, os seres humanos são... normais.
Praticamente todas as ações humanas são originadas por reflexo, que é uma
reação corporal automática, chamada Comportamento Reflexo, que nada mais ou
menos é do que a interação
estímulo-resposta (ambiente-sujeito) incondicionada, que promove uma resposta involuntária rápida, consciente ou não, visando proteger ou
adaptar o organismo a um estímulo externo, antes mesmo
do cérebro tomar conhecimento do estímulo periférico e,
consequentemente, antes deste comandar uma resposta.
Nossos olhos também funcionam assim, no piloto-automático. Por exemplo,
o reflexo óculo-cefálico é um movimento de reflexo, que estabiliza as imagens
na retina, durante o movimento da cabeça, produzindo um movimento ocular na
direção oposta, e assim preservando a imagem no centro do campo visual. Isso
nos permite façanhas como, por exemplo, caminhar! Além disso, temos a percepção de profundidade,
que é a habilidade visual de perceber o mundo, relacionada com o espaço
tridimensional ou com até quatro dimensões, que
nos permite estimar com maior precisão a distância até determinado objeto por
meio de diferentes métodos, porém só conseguimos focalizar um único ponto,
sendo a profundidade de campo a geradora da impressão de focalização dos elementos
em diversos planos. Todos os reflexos humanos envolvem circuitos
nervosos simples, principalmente entre os músculos e a medula espinhal, embora
o cérebro também tome parte, e aparecem de todas as formas, como aqueles que
ajustam do diâmetro dos vasos sanguíneos, outros que afetam a atividade do
movimento do intestino, a audição, a respiração, etc. Não percebemos
absolutamente nada disso que foi dito até aqui. Assim como não percebemos que
piscamos, em média, 24 vezes por minuto. Dirigindo um carro, a uma velocidade
normal, essa frequência fica na média de 15 piscadas por minuto, com a duração
de cada piscadela em torno de 200 milésimos de segundo. Depois de uma hora,
essa frequência aumenta para cerca de 40 vezes por minuto, e a duração das
piscadas aumenta 3 vezes mais do que no início da viagem.
Toda essa aulinha chata de anatomia
teve por objetivo unicamente alertar que, independente de nossa vontade (e
consciência), nosso corpo reage de acordo com o que foi programado. Se existem
defeitos de projeto estrutural ou no software dos seres humanos, eu não sei com
quem reclamar. Porém, todas as nossas ações acontecem devido a um comando, e
existe um tempo entre o comando e a reação, e esse tempo não muda em razão da
velocidade. Portanto, se eu perguntar se você acha que seu reflexo é igual com
você guiando um veículo a 70
km/h , 130
km/h ou 400
km/h e você responder, todo cheio de si, que é claro que
sim, eu vou concordar. Seu foco ideal também não muda, e a distância desse foco
é de mais ou menos seu braço esticado, segurando uma moeda grande. O tempo e a
distância de frenagem de um carro a 100 km/h será totalmente diferente se estiver a
200 km/h ,
isso todo mundo sabe; mas o tempo que seu pé demora para encostar no pedal do
freio e, em seguida, acioná-lo, é o mesmo tanto a 20 km/h quanto em
velocidade de míssil balístico, quando esse tempo é longo demais. A pressão
sanguínea é drasticamente afetada em altas velocidades, a respiração idem, o
cérebro fica desnorteado e o organismo, por reflexo, tentando se proteger,
acaba piorando as coisas. Um piloto profissional, com um carro de corridas,
treina constantemente, se condiciona a essas situações e raramente se sujeita a
surpresas, porque o sistema de rádio o informa antecipadamente como andam as
coisas à sua frente e, quando essa comunicação falha, os resultados são
idênticos aos de um motorista comum, guiando acima de 120 km/h , surpreendido por
um gato numa curva, por exemplo...
Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com
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