A China disparou na corrida para ser
o maior fabricante de automóveis e autopeças do mundo, com o primeiro trimestre
de 2013 mostrando que o crescimento de seu parque automotivo cresceu 19,3% em
relação ao mesmo período de 2012. Os Estados Unidos ficaram com o segundo
lugar, com crescimento de magros 6,4%, e o Japão teve uma baixa de 9,6%. Se for
considerado que os números chineses referem-se apenas a veículos de passeio,
enquanto os demais englobam também comerciais leves, o buraco é bem maior. Aí,
você se pergunta: mas como, repentinamente, a China se torna o maior produtor
mundial de automóveis, se nenhuma de suas marcas eram, até bem pouco tempo,
conhecidas e a qualidade de seus projetos e matéria prima são tão ruins? Como
pode a Alemanha, berço dos mais cobiçados automóveis no mundo, ocupar apenas a
sexta colocação nesse ranking, com acentuada queda de 13,1% em relação ao ano
passado, enquanto a Índia ficou com a quarta posição? A resposta está
justamente lá, na Ásia em geral e na China em particular. E não, antes que se
pense besteira, os projetos chineses e sua matéria prima não melhoraram em
absolutamente nada, assim como os outros países não pioraram seus produtos. O
que aconteceu foi o seguinte:
A República Popular da China é o maior país da Ásia Oriental e o mais populoso do mundo, com mais
de 1,3 bilhão de habitantes, mais ou menos um sétimo da população do planeta, o
que é mais do que as populações da América do Norte e América do Sul juntas.
Dos 50 países que constituem a Ásia, a República da Índia, na região sul do
Continente, é o segundo país mais populoso do mundo, possui grandes depósitos de ferro, carvão, mica, manganês e alumínio, entre
outros, e produz a maior parte do petróleo que consome. Fora estarem no mesmo continente, o que os
dois países tem em comum é o fato de ter gente demais disputando uma mesma
mínima fonte de renda. Isso faz com que, automaticamente, os níveis de
remuneração caiam, já que há muito mais oferta de mão de obra do que vagas. Dessa
maneira, temos o primeiro fator que explica essa aparentemente ininteligível
expansão alucinante da indústria automotiva nos dois países: mão-de-obra de
sobra a preço irrisório, exatamente o oposto do que se encontra na Europa,
Estados Unidos e Japão. Para comprovar, a Tailândia é mais um país asiático que
entrou na briga, e teve um aumento de impressionantes 47,9% de participação em
comparação com o ano passado, e a explicação é a mesma.
Com toda essa
mão-de-obra dando sopa, espaço de sobra e tecnologia de menos, os governos
desses países usaram a inteligência, criaram taxações e impostos em níveis
abaixo de poleiro de pato para exportações e atraíram as instalações e joint-ventures
com os fabricantes europeus, norte-americanos e japoneses, esquecendo-se
repentinamente que o dinheiro (em toneladas) que aportou em seus países é
oriundo do capitalismo decadente ocidental e toda essa balela politica. Quando
o assunto é dinheiro, é fácil ser atacado por uma amnésia seletiva que derruba
as fronteiras entre democracia, comunismo, socialismo, capitalismo e outros
“ismo” mais, e as religiões também deixam de dar as cartas. Além de resolver
uma série de problemas, esses países incrementaram suas próprias industrias
automotivas com o que estão aprendendo sobre tecnologia. Logo-logo, não
precisarão de mais ninguém junto. O Brasil? Ah, sim, nós já fomos bons nisso,
porém a bolha ilusória criada nos últimos anos enganou apenas a nós, nativos,
mas não aos investidores e industrias estrangeiras, que não são desprovidas de
inteligência, sabem que as coisas por aqui são extremamente volúveis e nenhum
investimento é estável.
Ao contrário do
Brasil, a China rapidamente, com o fim da Economia Planificada – copiada da
Rússia comunista falida, implantada em 1949 pelo ditador Mao Tsé-Tung, que
afundou o país em uma miséria total – e com a implantação da Economia Mista em
1978 – que acabou com a historia de tudo ser do Governo e seus dirigentes – abriram-se
as portas das privatizações e da entrada de capital estrangeiro; assim, o mapa
da China deixou de apresentar imensas plantações de arroz, chá e pastos para o
gado para se transformar em grandes centros industriais. O país continua
comendo o que produz, só que agora possui um poder de compra gigantesco, que
lhe dá o direito de barganhar com quem e como quiser. Tanto que sua indústria
se dá o direito de, vez por outra, copiar descaradamente produtos desenvolvidos
em outros países, mudar o nome, comercializar e ninguém vai lá brigar por seus
direitos.
De A a Z, a China
possui, hoje, mais de 40 empresas voltadas a indústria automotiva, entre marcas
próprias e joint-ventures, e um desmembramento interno dessas próprias empresas
que criam outras marcas, algo meio confuso para nosso (ocidental) entendimento,
além de toda uma indústria de abastecimento de peças, componentes e acessórios
para sí próprias ou exportação.
A história da indústria automotiva
chinesa não é recente; nós, por aqui, é que nunca estivemos informados a
respeito. Fundada em 1953, a
FAW (First Automobile Works) lançou, em 1956 seu primeiro carro, o Jiefang CA-30, iniciando a indústria
automotiva do país. No final dos anos 1950 a 1960, várias fábricas de automóveis
foram criados em Nanjing (Nanjing Automobile Group) Corporation), Xangai
(Shanghai Automotive Industry Corporation), Jinan (China National Heavy Duty
Truck Group) e Pequim (Beijing Automotive Industry Holding Corporation) e, em 1968, a Dongfeng Motor
Corporation foi fundada. Mas a indústria de automóveis representou uma pequena
parte da produção de veículos durante as três primeiras décadas da economia
socialista da China. Em 1985 o país produziu um total de apenas 5.200 carros.
Como a produção nacional era muito limitada, a importação aumentou
dramaticamente, apesar da taxa de 260% de imposto de importação sobre veículos
estrangeiros. Antes de 1984, o maior exportador de carros para a China foi –
nem poderia ser diferente... – a União Soviética. Deste ano em diante, as
exportações do Japão para a China aumentaram 7 vezes, pulando de 10.800 para
85.000 unidades e, em meados de 1985,
a China já era o segundo maior mercado de exportação do
Japão, perdendo apenas para os EUA, gastando cerca de US $ 3 bilhões para
importar mais de 350 mil veículos, sendo 106 mil carros e 111 mil caminhões.
Para frear essa farra, a liderança chinesa tomou as rédeas, aumentando os
impostos e moratórias, além de fomentar a produção local, aumentando as varias
joint-ventures existentes e atraindo novos acordos. Com o custo da mão-de-obra
no patamar da mixaria, podendo levar seu projetos completos (além de
desenvolver outros por ali mesmo), empresas como a American Motors Corporation,
Chrysler, Volkswagen, Peugeot (PSA), Daimler, General Motors, BMW, Ford, Toyota
e várias implantaram suas indústrias na China, algumas originadas a partir da
indústria local, como Chang'an Motors, Changhe e Hafei Motor, algumas
desenvolvidas a partir de antigas empresas estatais, como a BYD Auto, Brilliance
Auto China, a Chery Automobile, e Changfeng Automobile, e outras sendo empresas
de propriedade privada, como a Geely Automobile e Great Wall Motors. Hoje, as
dez maiores fabricantes, que controlam diversas outros pequenos produtores são
a SAIC Motor, Dongfeng Motor, First Automobile Works, Chang'an Motors, Beijing Automotive Group, Guangzhou Automobile, Chery, BYD Automobile, Brilliance China Auto e Jianghuai Automobile, exportam seus produtos para os quatro
cantos do globo terrestre e o país é o maior produtor mundial de automóveis,
atingindo a marca de quase 5.000.000 de unidades vendidas no primeiro trimestre
de 2013. O Brasil teve as mesmas chances e oportunidades, e nunca soube usar.
Sequer conseguimos criar uma montadora 100% nacional. A que tivemos usava
motores Volkswagen, pagando royalties. Não aprendemos a fazer as coisas, mas os
chineses souberam, cresceram e agora simplesmente dominam o setor, em menos de
30 anos.
Isso significa que, antes de você torcer o nariz para
um carro declaradamente chinês, é interessante que verifique se o carro daquele
cuja marca, aparentemente europeia, norte-americana ou japonesa que você tanto
idolatra, não é Made In China.
Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com
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