sexta-feira, 5 de julho de 2013

SAUBER-MERCEDES C11 PROTOTYPE: A EVOLUÇÃO DA ESPÉCIE!

O automobilismo sempre foi o laboratório da indústria automotiva. Desde os primórdios, quando os primeiros motores substituíram os cavalos na tarefa de movimentar as carroças, as disputas entraram em cena. Campeonatos foram organizados, criaram-se regras, categorias, e o mundo civilizado assistiu a evolução do automóvel através das corridas. As duas Grandes Guerras do século 20 atrapalharam as corridas, mas enriqueceram as engenharias, uma vez que todos os esforços foram concentrados no desenvolvimento bélico, e o resultado prático foi um salto tecnológico para a maioria dos fabricantes. Não se trata de apologia à guerra, mas pura constatação. Na Europa e Estados Unidos, principalmente, as corridas com maior apelo e destaque sempre foram as de longa duração, onde a resistência do conjunto, aliada a eficiência e estratégia das equipes, e habilidade dos pilotos dão a tônica da competição. A FIA – Fédération Internationale de l'Automobile – fundada em 20 de junho de 1904, é a entidade mundial que controla a maioria dos eventos automobilísticos no planeta. De olho neste filão, criou, em 1982, o Grupo C, específico para Protótipos, a fim de poder alinhá-los junto ao Grupo A – Turismo e Grupo B – Gran Turismo nas provas de Endurance. Estes carros do Grupo C foram usados nas 24 Horas de Le Mans, no World Endurance Championship entre 1982 a 1985, no European Endurance Championship em 1983, no World Sports-Prototype Championship entre 1986 a 1990, no World Sportscar Championship entre 1991 a 1992 e o grupo se encerrou em 1993. Em meados dos anos 70, foi introduzida a classe GTP, para Protótipos fechados (com teto). Ford, Porsche, Lancia, Jaguar, Nissan, Aston Martin, Mazda, Toyota, Peugeot e Mercedes-Benz entraram nas competições, seja como equipes oficiais ou apenas fornecendo seus motores. Alguns campeonatos tiveram seus regulamentos modificados para permitirem o uso dos carros do Grupo C junto com outros tipos de carros, como o DRM alemão, o JSPC japonês e o BRDC inglês. Em 1989, a popularidade do Grupo C era tão grande quanto a da Fórmula 1; os carros freavam há quase 350 km/h na reta Mulsanne, em Le Mans, o que significava que atingiam mais de 400 km/h durante a aceleração. A Fia tentou alterar a categoria, fazendo com que as equipes do Grupo C construíssem seus carros usando outras regras, e o novo regulamento fez com que os carros ficassem mais caros e a categoria seguiu rapidamente para o fim, quando as principais equipes voltaram seus interesses para a Formula 1, que sempre foi cara pra caramba, mas dá mais retorno de mídia e dinheiro no bolso, objetivo único do mercenário inglês Bernie Ecclestone, que sempre estraga o que é bom enquanto fica mais rico e senil. 

O Carro:
Antes de a categoria afundar, um dos principais fabricantes especializados no Grupo C era o engenheiro suíço Peter Sauber. Vindo das categorias de Protótipos com motores menores, se associou a Heini Mader, preparador de motores suíço, e criaram o Sauber C6 Ford-Cosworth em 1982, um carro bastante bom mas que, com a excessiva vibração do motor V8 anglo-americano, tornou-se um pesadelo de confiabilidade. Então, a equipe suíça passou para os motores BMW, no modelo C7, mas não conseguiu acompanhar a Porsche e a Lancia, sendo o melhor resultado do C7 um nono lugar nas 24 Horas de Le Mans em 1983. Possivelmente visando garantir o apoio da fábrica, Peter Sauber consultou a Mercedes-Benz para a utilização do seu novo túnel de vento, afim de desenvolver melhor seu mais recente carro. Se era essa a idéia, deu certo! Os alemães ficaram impressionados e um acordo de fornecimento exclusivo dos motores da montadora de Stuttgart foi assinado. De quebra, foi também o retorno da Mercedes-Benz às corridas desde a sua retirada, após o trágico acidente de 1955 em Le Mans. Peter Sauber estava particularmente interessado no novo motor V8 5,0 Litros, denominado M117. Heini Mader foi novamente escalado para transformar este motor  “de rua” em uma verdadeira usina de força, com a adição de dois turbo-compressores KKK. O resultado foi um propulsor com 800 Cv para qualificações e 650 Cv para corridas, dentro do regulamento de consumo de combustível, acoplado a uma caixa de câmbio Hewland de 5 marchas. Os novos carros, da equipe agora Sauber-Mercedes, modelo C8, utilizaram o mesmo monocoque de alumínio do C7. O motor Mercedes foi montado em um subchassi  de aço, atrás do cockpit. O assunto principal dos testes no túnel de vento, o efeito-solo, foi realmente muito eficiente, embora não muito estável. Na prova de Le Mans em 1985, a única  Sauber Mercedes C8 inscrita cravou a maior velocidade, porém o carro decolou nos treinos e ficou danificado  demais para a corrida. A Sauber-Mercedes voltou no ano seguinte com dois novos chassis C8, com novos ajustes aerodinâmicos deixando os carros bem mais estáveis, mas ambos abandonaram, com problemas de motor e transmissão. 
Naturalmente batizado como C9, o carro de 1987 foi novamente um desenvolvimento de seu antecessor, onde a suspensão traseira e a carroceria eram totalmente novas, enquanto o motor era um desenvolvimento a mais de Heini Mader. A Sauber criou uma imagem melhor em Le Mans em 1987, qualificando seus carros em sétimo e oitavo lugares para a largada, mas na corrida Johnny Dumfries abandonou com problemas de câmbio após 37 voltas, e o segundo carro com problemas de motor por volta de meia noite.  
Ao contrário do que se poderia esperar, diante dos resultados até então obtidos, a Mercedes-Benz elevou bastante sua participação em 1988, oferecendo total apoio de fábrica. O resultado foi imediato, com o Sauber-Mercedes C9 vencendo a prova 800 km de Jerez, Espanha, com uma volta de vantagem sobre o segundo colocado. Porém, Le Mans foi  uma decepção ainda maior do que nos anos anteriores, uma vez que as duas C9 foram retiradas da prova antes mesmo do seu início, por, digamos, excesso de veneno... a combinação conseguida de maior velocidade e maior downforce aumentou demais as cargas sobre os pneus, fazendo com que os pneus traseiros de um dos carros estourassem a uma velocidade muito alta durante a qualificação. Em um ato de coragem, a Sauber-Mercedes retirou seus carros da competição, por considerá-los perigosos. 

E então...

... a recompensa veio em 1989; contabilizando insucessos e procurando reverter este quadro, a Mercedes-Benz desenvolveu um motor completamente novo, V8 com bloco de liga leve, 5,0 Litros, Turbo, batizado de M119, com cabeçotes duplos e quatro comandos de válvulas, ou seja, introduziram o conceito de quatro válvulas por cilindro neste ano. Este motor atingiu 720 Cv de potência, sendo montado no já comprovadamente eficiente chassi C9. A participação da montadora na equipe Sauber estava visivelmente maior, como atestava o visual dos carros, agora pintados de prata, uma alusão clara aos Flechas de Prata de tanto sucesso da Casa de Stuttgart. Se deu resultado? Nesta quinta tentativa da Sauber-Mercedes, a equipe inscreveu três carros. Todas as quatro difíceis edições anteriores foram rapidamente esquecidas, uma vez que dois de seus carros cruzaram a linha de chegada  na primeira e segunda colocações. O C9 vencedor foi do trio Jochen Mass, Manuel Reuter e Stanley Dickens, e o segundo carro estava com Mauro Baldi, Kenny Acheson e Gianfranco Brancatelli. Eles conseguiram, afinal desbancar os até então incomparáveis Porsche 962C e Jaguar XJR-9 LM, O terceiro carro terminou em quinto lugar, com o trio composto por Jean-Louis Schlesser, Jean-Pierre Jabouille e Allan Cudini. Para completar, a Sauber-Mercedes ganhou o Campeonato Mundial de sua categoria, com sete vitórias em oito corridas!
Evidentemente animado pelo retumbante sucesso, Peter Sauber desenvolveu um novo carro para 1990. O monocoque de alumínio foi substituído por um de fibra de carbono, mais moderno, leve e rígido. O nome C10, naturalmente substituto do C9, foi imediatamente ignorado, porque era difícil sua pronuncia em alemão – nesse idioma, a letra C tem o som do fonema K, e só é usada nos dígrafos CH e CK; o número “dez” em alemão é “Zehn”... com a pronuncia gutural destronca-língua alemã, realmente ficaria estranho C10 – ”Ktzan”, e o novo carro foi batizado de C11 – “Kelf”.  Na verdade, o carro de novo mesmo só teve a estrutura, uma vez que todo o conjunto mecânico – motor, transmissão, freios e suspensões – vieram do C9. Surpreendentemente, a equipe resolveu não voltar a Le Mans neste ano, se concentrando na defesa do título do Campeonato do Mundo da categoria, medida que se mostrou acertada, ao sagrar-se Bi-Campeã com visível facilidade e, detalhe interessante, com a última corrida da temporada sendo vencida por uma dupla formada por Jochen Mass e um jovem desconhecido piloto alemão, que atende pelo nome de Michael Schumacher!
A temporada de 1991 marcou a despedida da equipe Sauber-Mercedes das categorias de Endurance, que se concentrou em desenvolver o motor 12C291, de 3,5 Litros, já dentro das novas regras inspiradas pela Fórmula 1; sua participação no então já em plena falência Grupo C limitou-se a uma participação nas 24 Horas de Le Mans, mas seus três carros não completaram a prova e o resultado decretou sua transferência – inclusive de Schumacher, em outra equipe mas com dinheiro da Mercedes-Benz – para a categoria máxima dos monopostos.  


Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com


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