Gotlieb Daimler, de um lado da
Alemanha, e Karl Benz, do outro, sem saberem um da existência do outro
inventaram, simultaneamente, o motor termodinâmico de combustão interna com
ignição por centelha. O conceito, na verdade, foi desenvolvido por outro
alemão, Nicolaus Otto, muito embora o francês
– que era italiano porque nasceu em Roma – Alphonse Beau de Rochas também tenha tido a mesma ideia, também
simultaneamente, também sem sequer imaginar a existência de Otto. É mais ou
menos como as eternas confusões sobre quem inventou o avião, o brasileiro
Alberto Santos Dumont na França, ou os irmãos Wrigth nos Estados Unidos, ou
quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha; para os brasileiros o inventor do
avião foi Santos Dumont, para os americanos foram os irmãos Wright, e o ovo ou
a galinha ninguém sabe.
Voltando ao assunto, desde que algum dos quatro
engenheiros (ou todos) desenvolveu o sistema, a principal ênfase
– até hoje – é a importância da compressão da mistura de combustível e ar
(relação estequiométrica) antes da ignição. Por isso e só por isso, muita gente
boa queimou muito fosfato afim de otimizar esse processo. Ideias novas,
conceitos novos há muito não aparecem; como aparentemente (e irritantemente)
tudo no que concerne a motores, aproveitamento de energia etc, a tecnologia
estacionou, o máximo que se vê hoje são aperfeiçoamentos de projetos e sistemas
do século 19. A
primeira ideia para melhorar a compressão da mistura partiu do básico, ou seja,
forçar mais ar na admissão de combustível. Vários sistemas foram desenvolvidos,
cada um com suas vantagens e desvantagens. Veremos, aqui, os sistemas mecânicos
mais empregados; isso significa que não falarei de turbocompressor, porque seu
acionamento não é mecânico, e é assunto para outra matéria. Vamos lá!
Ram Air – Pressão de Ar
Essa é a
citada primeira ideia. Ram Air é o tipo mais simples de indução
forçada. Quando o veículo está andando acima de certa velocidade, o ar
será forçado a entrar no coletor de admissão através da entrada de ar instalada
no capô do motor, gerando uma pressão ligeiramente
mais elevada do que a aspiração normal. Essa maior pressão de admissão não
só acelera a respiração do motor, como também leva o ar um pouco mais denso,
enchendo melhor as câmaras de combustão, que originou a sobre-alimentação.
Supercharger = Sobrealimentação
O conceito foi criado em 1920, para aumentar a potência dos carros de corridas sem aumentar o tamanho dos motores, através de um compressor acionado diretamente pelo eixo do motor, com uma resposta instantânea de seu funcionamento. Porém, o próprio compressor é
O conceito foi criado em 1920, para aumentar a potência dos carros de corridas sem aumentar o tamanho dos motores, através de um compressor acionado diretamente pelo eixo do motor, com uma resposta instantânea de seu funcionamento. Porém, o próprio compressor é
bastante pesado, em alta rotação gera muito atrito e acaba
por perder sua eficiência e, por osmose, potência, uma vez que um compressor
típico achata a curva de torque e muda o seu pico em direção à extremidade
inferior da intensidade, o que faz com que o motor reaja rapidamente em giros
mais baixos, e entre em declínio com a elevação dos giros do motor. Isso fez, então, com que o sistema fosse
recomendado – e hoje amplamente empregado – em veículos de passeio grandes e
pick-ups, melhorando sua performance quando o motor está acoplado a uma
transmissão automática, e o ruído,
o atrito e a vibração gerada pelo compressor mecânico são as principais razões
que impedem que ele seja usado em carros de alto luxo. Um bom exemplo é a
Mercedes-Benz, que instalou um par de compressores em alguns modelos da Classe
C (Kompressor) até 2010, quando os motores passaram a utilizar o turbo-compressor.
Procurando eliminar as falhas, foram desenvolvidos alguns tipos diferenciados
do mesmo sistema Supercharger, que são:
Supercharger Tipo Roots
Tem esse nome simplesmente em função de seus inventores, os irmãos
Roots. Foi criado com o objetivo de ser
uma bomba de ar industrial, muito antes do próprio motor de combustão interna,
e surpreendentemente ainda está sendo usado hoje. O compressor Roots consiste
de dois rotores, geralmente com três lóbulos cada, que giram em sentido
contrário, para bombear
o ar de entrada para saída. Este movimento não comprime o ar dentro do
supercharger, mas como o compressor fornece ar mais rápido do que o que o motor
pode consumir, e com alta pressão, é montado no coletor de admissão. Embora
seja um sistema simples, não é necessariamente eficaz. Por quê? Porque quando o ar
entra no compressor, ele “bate” contra os lóbulos do rotor, que estão sendo girando em sentido contrário ao
fluxo de ar, assim esta arquitetura de Supercharger está longe de ser
eficiente. Era.
Desenvolvendo mais do mesmo, empregando outros materiais em sua
composição, junto ao desenvolvimento de antigas
tecnologias, como o sincronismo variável das válvulas e a injeção direta de
combustível, chegou-se ao Supercharger Roots mais moderno, com entrada
de ar localizada na parte da frente (e não em cima) do compressor, e a saída foi
finalmente para o lado oposto da entrada, além de os lóbulos do rotor não mais
serem retos. Essas medidas facilitaram a instalação do compressor sobre o
motor, o ar entra nas câmaras do rotor na direção axial e não “bate” mais nos
lóbulos do rotor e, como os rotores giram “torcidos”, empurram o ar da admissão
para a saída, aumentando sua eficiência. Ah, mas não esta escrito que o sistema
prejudica o motor, faz barulho e perde potência em giros altos? Está. Bem por
isso, foi desenvolvida uma embreagem eletromagnética, que desconecta o
Supercharger automaticamente, reduzindo bastante as perdas de eficiência do
sistema. Ficou quase, mas ainda não estava perfeito.
Supercharger Tipo Centrífugo / Compressor Tipo G
O compressor
centrífugo é muito semelhante ao turbo-compressor, porém é impulsionado pelo
eixo do motor, em vez do gás de escape, e isso significa
que ele tem apenas uma turbina. Assim como no turbo-compressor,
sua turbina precisa girar a uma velocidade muito alta (até 60.000 rpm) para
produzir pressão máxima. Então, o
Compressor G conta com uma série de engrenagens, que multiplicam os giros do
virabrequim. Por causa disso, a pressão obtida produz
pouco impulso em baixos e médios giros, e deixa o motor “manco”. É fácil de
instalar, já que não precisa modificar o motor – nem mesmo a taxa de compressão
– para evitar sua quebra. A Volkswagen utilizou esse tipo de Supercharger no
modelo Corrado 1.8 G60 com 160 Cv de potência, entre 1988 a 1992, quando o
substituiu pelo motor 2.9 VR6 (VR = motor em V com ângulo entre 10,5° a 15°,
com cabeçote único, diferente do V convencional, com 45°, 60° e 90° e dois
cabeçotes) naturalmente aspirado, com 192 Cv. É bom pela metade, digamos assim.
Supercharger
Tipo Lysholm / Tipo Parafuso
O alemão Heinrich Krigar “bolou” o sistema. Em 1878. A tecnologia da época
não o permitiu ir além disso. O sueco Alf Lysholm, em 1930, desengavetou o
conceito, o melhorou e produziu. O Supercharger Lysholm é
composto por dois parafusos, um com rosca “macho” e 3 lóbulos e outro com rosca
“fêmea” e 5 lóbulos que, ao girarem, sugam o ar
entre os parafusos e o empurra pela carcaça até a saída, com o espaço ficando
cada vez menor à medida que o ar avança, realizando a compressão interna e
permitindo maior pressão do que o sistema tipo Roots, com o qual se parece
bastante, com o motor em alto giro. Por sua característica de alta eficiência em ampla faixa de giros do
motor, e por ser bastante compacto, é ainda hoje a primeira escolha para
veículos de alto desempenho, como Ford GT e Mercedes-Benz 3.2 V6 e 5.5 V8 AMG,
apesar da contrapartida de ser muito cara sua construção, por exigir usinagens
de altíssima precisão. Esse chegou bem perto!
Supercharger Tipo TVS
É a quinta essência do Supercharger! Desenvolvido pela Eaton, o TVS –
Two Vortices Series – apresenta todas as melhorias possíveis no sistema
desenvolvido por Roots. Ao contrário do que pensamos por aqui, a Eaton
Corporation Inc. não fabrica apenas transmissões. A empresa criada por John
Eaton em Ohio atua em uma dezena de segmentos, todos voltados para energia
(inclusive combustível sólido para foguetes...), e não deixou passar a chance
de se meter com os Supercharges. O resultado? Refez todo o conceito do sistema
Roots que produzia, e são os Supercharger TVS que equipam os motores dos GM
Corvette ZR1, Cadillac CTS-V e mais recentemente os Audi 3.0 V6 TSFI,
revertendo a queda livre em que a utilização dos Supercharger havia entrado. O
Supercharger TVS gera 20% a mais de ar, o que se traduz em maior impulso e
força, consome muito menos energia do motor em giros
altos, gera menos calor (depende menos do intercooler) e reduz drasticamente o
nível de ruído característicos da geração anterior (Gn5). Exemplificando, o
motor do GM Corvette ZR1 com o TVS consome 75 Cv na potência máxima, contra 115
Cv do Roots antigo. Duas das mudanças significativas que possibilitaram essa
melhora foram: os rotores do TVS tem quatro e não três lóbulos, e seu ângulo de
torção passou de 60 ° para 160 °, produzindo muito mais fluxo de ar, diminuindo
a perda de energia cinética, reduzindo o ruído interno do ar, elevando a faixa
de frequência sonora do funcionamento do sistema – e reduzindo sua percepção
aos ouvidos humanos. Pura geometria. O sistema TSFI (Turbo Fuel Stratified Injection) é a união do útil ao
funcional, pois emprega o TVS em conjunto com um turbo-compressor, assunto da
próxima matéria!
Renato Pereira – blogtruecar@gmail.com
Parabéns por suas explicações em seus comentários. Muito elucidativas! Além de trazer novidades no avanço desta nova e antiga tecnologia.
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